Jonathan Haidt tem razão, há uma geração ansiosa e nós estamos a falhar os nossos miúdos
Acabei de ler “The Anxious Generation” de Jonathan Haidt, que alerta para a geração ansiosa que estamos a formar, e confesso que me deixou com um nó no estômago. Não porque o livro seja mau – pelo contrário, é brilhante e necessário – mas porque me fez perceber o quão atrasados estamos em Portugal na compreensão desta crise geracional que temos entre mãos.
Haidt, psicólogo social na NYU e uma das vozes mais respeitadas quando se fala de bem-estar mental juvenil, apresenta dados que não deixam margem para dúvidas: estamos perante a primeira geração de adolescentes verdadeiramente ansiosa da História moderna. E o pior? Dizem que nós é que somos os culpados. Homessa, mas eu nunca fiz mal a ninguém…!

A grande reconfiguração da infância
O autor é cristalino no diagnóstico: entre 2010 e 2015 aconteceu uma “grande reconfiguração da infância”. Passámos de uma geração que brincava livremente na rua, que resolvia os seus próprios conflitos, que aprendia através da exploração e do risco controlado, para uma geração que vive colada a ecrãs, superprotegida pelos pais, e constantemente bombardeada por comparações sociais nas redes.
Os números não mentem: a depressão juvenil disparou, a ansiedade atingiu máximos históricos, e os problemas de saúde mental tornaram-se epidémicos. E isto não é apenas nos Estados Unidos – os dados europeus contam a mesma história.
Portugal: o país que não acorda
E onde é que Portugal se enquadra nisto tudo? Em lado nenhum, pois continua completamente adormecido à sombra da bananeira mesmo que exista um tremendo trabalho feito por associações dedicadas e pelo PNPSM.
Enquanto países como França começam a implementar políticas para limitar telemóveis nas escolas, enquanto a Austrália discute idades mínimas para redes sociais, nós continuámos a fingir que não há problema e só agora, muito recentemente, se começou a discutir esta problemática. As nossas escolas estão cheias de miúdos com ansiedade, mas a resposta oficial é sempre a mesma: “mais psicólogos escolares” e “programas de bem-estar”.
Estas medidas não são suficientes e Haidt explica porquê.
O diagnóstico
Haidt identifica dois factores centrais desta crise:
1. Da Brincadeira Livre para o Telemóvel As crianças deixaram de brincar livremente. Deixaram de resolver conflitos entre elas, de correr riscos calculados, de desenvolver resiliência através da experiência directa. Em vez disso, passam horas a fio em ecrãs, consumindo conteúdo passivamente ou a navegar nas águas turbulentas das redes sociais.
2. Super-protecção Parental Extrema Os pais, movidos pelo medo amplificado pelos média, criaram bolhas de protecção que impedem as crianças de desenvolver competências essenciais. Não podem ir sozinhas para a escola, não podem brincar no parque sem supervisão, não podem falhar e aprender com os erros.
A Receita de Haidt
O psicólogo não se limita ao diagnóstico. Apresenta quatro medidas concretas:
- Proibir smartphones antes dos 14 anos
- Proibir redes sociais antes dos 16 anos
- Tornar as escolas zonas livres de telemóveis
- Incentivar a autonomia e o livre brincar
Parecem medidas drásticas? Bom, a situação é drástica…
Para Portugal: um plano de acção
Se levássemos Haidt a sério – e devíamos – o que poderia Portugal fazer para sair deste buraco?
1. Revolução nas escolas (imediatamente)
Telemóveis fora das salas de aula. Ponto final. Não há negociações, não há “mas e se houver emergência?”, não há “os pais precisam de contactar”. As escolas têm telefones, os pais sempre conseguiram comunicar com as escolas antes dos smartphones existirem.
França fez isto. A Holanda está a fazer. Nós continuamos a debater se é “pedagogicamente adequado” enquanto os miúdos desenvolvem ansiedade crónica.
2. Reeducação parental (urgente)
Precisamos de campanhas nacionais para explicar aos pais que superproteger é prejudicar. A criança que nunca falha nunca aprende a lidar com o fracasso. A criança que nunca corre riscos nunca desenvolve coragem. A criança que nunca resolve conflitos sozinha nunca aprende diplomacia.
Isto não é filosofia de café – é neurociência pura. O cérebro adolescente precisa de desafios reais para se desenvolver adequadamente.
3. Legislação sobre redes sociais (corajosa)
16 anos idade mínima para redes sociais. Instagram, TikTok, Snapchat – tudo. E não vale a pena vir com desculpas sobre “literacia digital”. Uma criança de 13 anos não tem maturidade neurológica para lidar com a pressão constante das redes sociais.
Vamos ver que político tem coragem de propor isto. Porque é que conseguimos proibir álcool e tabaco a menores, mas não conseguimos protegê-los de algoritmos desenhados para criar vício?
4. Reconstrução dos espaços de brincadeira
Precisamos de devolver as ruas às crianças. Parques sem vedações obsessivas, espaços onde possam correr, saltar, cair e levantar-se. Horários pós-escola dedicados exclusivamente a brincadeira livre, sem estrutura, sem objectivos pedagógicos.
Sim, algumas vão magoar-se. É suposto magoarem-se. É assim que aprendem os limites do mundo físico e das suas próprias capacidades.
A geração perdida?
Esta geração de adolescentes portugueses – os nascidos entre 2005 e 2015 – pode estar perdida? Haidt é optimista, e eu também quero ser. Mas precisamos de agir agora.
Cada ano que passa sem mudanças estruturais é mais uma “dinastia” de jovens que chega à vida adulta sem as competências básicas para lidar com stress, fracasso, e relacionamentos interpessoais complexos.
O futuro
Temos duas opções:
1: Continuamos como estamos. Daqui a 10 anos temos uma geração de adultos jovens cronicamente ansiosos, incapazes de tomar decisões autónomas, viciados em validação digital, e completamente dependentes de estruturas externas para regulação emocional.
2: Acordamos, implementamos as medidas que Haidt (e muitos outros profissionais de saúde – e não só) propõe, e criamos uma geração resiliente, autónoma, e mentalmente saudável.
A responsabilidade é nossa
Não podemos continuar a culpar “os tempos modernos” ou “a tecnologia” como se fossem forças da natureza inevitáveis. Nós é que escolhemos dar smartphones a crianças de 10 anos. Nós é que escolhemos criar bolhas de super-protecção. Nós é que escolhemos substituir brincadeira por ecrãs.
E também podemos escolher diferente, ou não? Ou os pais assumiram a total desresponsabilização na educação dos petizes?
O livro de Haidt não é apenas um diagnóstico – é um manual de instruções para salvar uma geração. A pergunta é: temos coragem para o seguir?
Porque se não tivermos, daqui a 20 anos vamos olhar para trás e perguntar-nos como é que deixámos isto acontecer. E a resposta vai ser simples: sabíamos o que fazer, mas tivemos miaúfa!
artigo muito interessante que faz pensar. Obrigado.