Se os graúdos estão dependentes da internet e de todos os mais recentes equipamentos que, desde Smartphones a pulseiras inteligentes, os mantêm conectados com “o mundo”, imagine-se as crianças e os adolescentes que nasceram “agarrados” a um ecrã.
Muito mudou desde a minha tenra idade e nem atingi o meio século de existência. Ainda joguei à bola, caí das árvores, estampei-me de bicicleta, dei beijos com o “Bate-pé”, namorei no terraço, fui a matinés dançar e tudo o mais. Havia dois canais de televisão nos tempos modernos, mas vi o Tarzan e o Bonanza ainda a preto e branco. Num repente saiu uma coisa do demo chamada “Spectrum” e o resto da história já se sabe.
Escrevo o Xá das 5 porque, e acima de tudo, gosto de tecnologia e de tudo o que lhe está relacionado. Para mim, a internet é uma dádiva dos deuses, algo que me proporciona acesso infinito ao que desejo saber, ler ou ver no momento. Um mundo global impensável para um puto que, nos idos anos 70, era obrigado a ir à biblioteca da Gulbenkian tirar fotocópias para ajuda de trabalhos escolares. Mas sei que estou viciado na internet e nesta imensa facilidade e também estou conectado 24/7.
De qualquer forma, existe uma diferença brutal entre mim e a malta mais jovem: tenho também uma vida social e amigos físicos, com quem almoço, janto, converso, bebo um café. Se olhamos para o smartphone de cinco em cinco minutos? Sim. Mas olhamos-nos nos olhos nos outros quatro desses cinco.
Os estudos sobre a dependência existem. Na China já se internam crianças em espaços preparados para este novo drama e compulsão. Não deve ser nada fácil tirar a um jovem o seu precioso mundo online, o único que conhece, retirando-lhe essa chave, ou seja, o equipamento que o conecta à vida. Mas há que fazê-lo. Todos olhamos de soslaio para um grupo de jovens que, juntos à mesa, olham somente (e em silêncio sepulcral) para o seu próprio ecrã. Por vezes, até trocam SMS ou estão no Chat com os convivas que estão fisicamente ao lado. Se este não é um sinal que algo está mesmo muito mal, então não sei o que poderá ser.
Felizmente que alguns sectores portugueses estão atentos e percebem que esta realidade é uma adicção, tal como outras também nefastas (alcoolismo, drogas, jogo, sexo, etc.) e que surgem novos profissionais, terapeutas diplomados em comportamentos e adicções. Sim, existem estes estudos cada vez mais específicos e dirigidos. Sei-o bem, pois cohabito com uma profissional que trata exactamente estas novas realidades e a sua co-dependência familiar e social.
Always conected!
Ivone Patrão, investigadora da Unidade de Intervenção em Psicologia do ISPA – Instituto Universitário, chegou a conclusões alarmantes que hoje denunciou ao mundo. Através do jornal “Público” (tentei sem sucesso encontrar o comunicado original o que me obriga a deixar aqui a peça da autoria de Samuel Silva), resume: “Percebemos que a dependência da Internet é generalizada!” Na verdade, este estudo mostra que cerca de 3/4 da população jovem portuguesa está viciada na internet. E os comportamentos tendem a agravar-se e muitos deles necessitam de cuidado extremo e imediato.
Deixo-vos, porque é demasiado importante não fazê-lo, o trabalho publicado pelo Público e Samuel Silva:
Os investigadores do ISPA apontam alguns componentes-chave para identificar os casos de dependência da Internet numa espécie de retrato-tipo do jovem viciado no mundo online: grau elevado de importância conferido ao computador ou aos dispositivos móveis; sintomas de tolerância face ao uso; sintomas de abstinência face ao não uso (como irritabilidade, dores cabeça, agitação e por vezes agressividade) e, em casos mais extremos, recaída face às tentativas sucessivas para parar.
Os números a que chegou a equipa de Ivone Patrão no ISPA dão uma outra camada de leitura desta realidade. Há quase três quartos (73.3%) dos jovens que apresentam sintomas de viciação na Internet. Destes, 13% apresentam níveis severos de dependência, que se manifestam através dos comportamentos mais extremos descritos pelos pais e elencados pelos investigadores. Os próprios jovens parecem ter noção disto, uma vez que mais de metade (52,1%) dos inquiridos se percepciona como “dependentes da Internet”.
Maioria frequenta o secundário
Os investigadores do ISPA chegaram também a outro retrato-tipo: os jovens dependentes são sobretudo do sexo masculino, não têm relacionamento amoroso e frequentam o ensino secundário. Este foi um dos primeiros resultados a que a equipa da Unidade de Intervenção em Psicologia chegou, em 2012, quando aplicou um primeiro questionário – desenvolvido pela Nottingham Trent University, que é parceira deste trabalho – de modo a validá-lo para a realidade portuguesa. As conclusões iniciais motivaram a continuação da investigação nas duas fases seguintes, que agora são divulgadas publicamente.
Outros estudos recentes confirmam os sinais de uma geração cada vez mais dependente da tecnologia, levando mesmo a situações-limite em que “é posto em causa o bem-estar físico” dos jovens e adolescentes, conta a investigadora da Faculdade de Ciência Sociais da Universidade Nova de Lisboa, Cristina Ponte, que liderou os projectos EU Kids Online e, mais recentemente, Net Children Go Mobile.
Neste último trabalho, cujos resultados nacionais serão discutidos numa conferência no final do mês, 6% dos jovens admitem ter ficado “sem comer ou sem dormir por causa da Internet”, por exemplo. “Há uma pressão para estarem sempre ligados”, avalia esta especialista. Na sua investigação recolheu exemplos que atestam esta situação, como a de um menino de 12 anos que contava, por entre risos, que no smatphone e no tablet nunca se fica offline, por causa dos sinais sonoros com os alertas para as actualizações no email ou nas redes sociais. O rapaz dava também conta da forma como os amigos ficavam zangados se ele não respondesse rapidamente a alguma mensagem, por exemplo, mesmo no horário em que devia estar a dormir.
“Os jovens estão a usar demasiado as tecnologias. Quase minuto a minuto”, confirma Rosário Carmona, psicóloga, que tem tratado casos de dependência da Internet no Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil (Cadin), em Cascais. “Quando lhes pergunto se já foram ao email hoje, eles riem-se. Não foram ao email, porque não saíram do email”, ilustra.
Rosário Carmona tem lidado com os casos mais patológicos de dependência do mundo online, aqueles em que “a utilização da Internet se sobrepõe a outras dimensões da vida” e que estão sobretudo associados aos jogos multiplayer. “É um ciclo vicioso”, expõe. O jovem tem dificuldades em fazer amigos e por isso joga muito tempo. Torna-se cada vez melhor no jogo e prefere ficar em casa a jogar, em vez de sair para estar com amigos, a família ou mesmo ir à escola. “Todos procuramos aquelas situações em que somos mais competentes”, explica a psicóloga.
Dependência associada a depressão
Uma das principais conclusões a que chegou a equipa do ISPA no seu estudo sobre os usos da Internet foi a de que os jovens que apresentam sinais de dependência do mundo online têm também sintomas de isolamento e, por vezes, de depressão. Entre os inquiridos do estudo do ISPA que revelam sinais de dependência, quase um quarto (22,1%) apresenta elevados níveis de isolamento social. “Esta dependência está associada ao isolamento social, mas não está associada ao isolamento emocional”, adverte, porém, Ivone Patrão, coordenadora deste trabalho.
Estes são jovens isolados, mas que encontram nas conversas e nos encontros online “um escape”. Esta é, portanto, uma dependência que “traz uma mais-valia”, ainda que do ponto de vista psicológico não seja saudável, expõe a mesma especialista. “O desafio da adolescência é sair do núcleo familiar e passar o foco para o mundo social. Na Internet, tudo isto é mais fácil”, acrescenta Rosário Carmona, da Cadin. Os jovens têm a sensação de satisfazer online as suas necessidades de contacto social. A psicóloga encontra também entre os dependentes do mundo virtual com quem costuma lidar sintomas de isolamento ou depressão.
“Na prática clínica, estamos a perceber que a dependência não é causa, mas consequência”, diz. Quando um adolescente fica deprimido, por força de algum episódio escolar ou familiar, por exemplo, está a conseguir encontrar nas novas tecnologias um refúgio.
Por isso, a especialista não é apologista da solução mais comumente encontrada pelos pais para responder ao uso excessivo do computador pelos filhos e que é fruto de tensões familiares: retirar o computador ou limitar fortemente o acesso a ele. “O uso excessivo da Internet está a suprir uma outra necessidade do jovem. Se lhe tiramos o computador, ele fica no vazio. É preciso fazê-lo ganhar o gosto por actividades alternativas, antes de diminuir o tempo online”, defende a psicóloga que, recentemente, fez um estágio num centro especializado no tratamento de casos de dependência em Seul. Na Coreia do Sul, o problema tomou tal dimensão que o Ministério da Educação já promove a identificação precoce de crianças e jovens em risco e a realização de programas de prevenção.
Intervenção de prevenção
Por cá ainda não há nenhuma iniciativa do género. Esta é “uma área emergente”, classifica Ivone Patrão do ISPA, em que “importa intervir do ponto de vista preventivo”. “Temos cada fez mais pessoas com acesso a computador e na experiência clínica percebo que cada vez mais os adolescentes estão entregues a si próprios no uso do computador. Há uma necessidade de educar os jovens para a forma como podem fazer um uso saudável destes dispositivos”, propõe a investigadora.
A dependência da Internet é considerada uma dependência comportamental, sem substância. “As consultas que existem destinam-se a dependências de substâncias, como o álcool e as drogas”, explica Ivone Patrão, alertando para as limitações destas terapêuticas. O passo seguinte da investigação do ISPA passará, por isso, pelo desenvolvimento de formas de intervenção e terapêuticas para contrariar o vício do online nos jovens em Portugal. Noutros países, estão a ser dados passos na farmacologia, no sentido de desenvolver novas drogas que actuem sobre estes casos específicos.
Esta discussão foi alimentada pela nova edição do Manual de Diagnóstico das Doenças Mentais (DSM-V), lançada pela Associação Americana de Psiquiatria no ano passado, que inclui um anexo em que é recomendado o estudo e a compreensão dos critérios de diagnósticos das dependências comportamentais como as dos jogos e da Internet. Em Portugal, o Plano Nacional dos Comportamentos Aditivos e das Dependências 2013-2020, aprovado na semana passada pelo Conselho de Ministros, prevê o alargamento da área de intervenção do SICAD às dependências sem substância como o jogo ou a Internet.













