Há algo profundamente perturbador no novo programa “Botched Presents: Plastic Surgery Rewind” que estreou este mês no canal E!. Não é apenas o conceito em si – celebridades e os denominados influenciadores a equacionar se devem reverter as inenarráveis cirurgias plásticas para uma aparência mais natural – mas sim o ciclo vicioso e lucrativo que representa.
Botched: Plastic Surgery Rewind: o negócio da destruição e, está claro, deconstrução

Durante anos, observámos uma verdadeira epidemia de procedimentos estéticos extremos nos Estados Unidos. Celebridades transformaram-se em caricaturas de si próprias, os tais influenciadores tornaram-se irreconhecíveis, e uma geração inteira cresceu a acreditar que lábios inchados como salsichas e caras esticadas como se fossem pele de tambores representavam o padrão de beleza a seguir.
Os mesmos médicos (que se auto plastificaram) e que promoveram esta cultura do excesso, que rebentaram rostos com quantidades industriais de botox e transformaram corpos em esculturas anti-naturais e, em 99% dos casos, horripilantes, são agora os “salvadores” que se propõem a “desfazer” os danos. O programa segue os denominados famosos enquanto decidem reverter os procedimentos de cirurgia plástica, numa espécie de “Rewind Retreat” que mais parece um campo de reabilitação para viciados em bisturi.
A hipocrisia do sistema
O cinismo é evidente: os profissionais que criaram o problema são os mesmos que agora lucram com a solução. É como se um incendiário se oferecesse para apagar o fogo que ele próprio ateou – mediante pagamento, claro está.
Este fenómeno não surge num vácuo. 2025 promete trazer mudanças significativas no campo das cirurgias plásticas, com um apelo por resultados “naturais e harmoniosos”. A tendência (adoro esta coisa da tendência) mundial aponta para “cirurgias plásticas quase imperceptíveis”.
O preço da artificialidade

As vítimas deste sistema são reais e numerosas. Quantas Kim Zolciak, quantas Aubrey O’Day (sim, também fui ver quem eram) tiveram de enfrentar o espelho e questionar o que fizeram a si próprias? Kim Zolciak admite no programa: “Não faço ideia porque é que estou aqui”, numa frase que resume perfeitamente a confusão de quem se perdeu no labirinto da modificação corporal extrema.
Estes não são casos isolados. São o resultado de uma indústria que normalizou o extremo ao transformar procedimentos médicos em moda.
Mas será possível reverter a desgraça?
A boa notícia é que existe esperança. As técnicas recentes oferecem resultados mais naturais, evitando uma pele excessivamente tensionada, com foco no reposicionamento dos tecidos profundos. A cirurgia plástica evoluiu, ironicamente, para fazer menos em vez de mais.
Para quem procura reverter procedimentos extremos:
Avaliação realista: Nem tudo é reversível. Alguns danos são permanentes, especialmente quando envolvem remoção excessiva de tecido ou alterações estruturais profundas.
Processo gradual: A reversão não acontece numa única sessão. É um processo que pode levar anos e múltiplas intervenções.
Gestão de expectativas: O “natural” de antes pode não ser completamente recuperável. O objectivo deve ser alcançar uma versão melhorada do que existe agora.
Apoio psicológico: A dismorfia corporal que levou aos excessos iniciais precisa de ser tratada. Sem isso, o ciclo pode repetir-se.
A lição brasileira
Paradoxalmente, o Brasil, país que mais realizou procedimentos cirúrgicos em 2023 segundo a ISAPS, sempre manteve uma tradição de resultados mais naturais. A “bunda brasileira” e o conceito de harmonia corporal sempre privilegiaram a proporcionalidade sobre o extremo.
Reflexão final… mas que pode ser revertida
“Botched: Plastic Surgery Rewind” é simultaneamente um espelho da nossa sociedade e um sintoma de um sistema doente. Mostra-nos até onde chegámos na busca obsessiva pela perfeição artificial, mas também oferece esperança de redenção.
A verdadeira questão não é se é possível desfazer cirurgias mal feitas – isso é tecnicamente viável em muitos casos. A questão é se conseguimos, como sociedade, aprender com estes erros e criar uma cultura de beleza mais saudável e realista.
Enquanto os médicos lucram tanto com a destruição quanto com a reconstrução, enquanto os media transformam tragédias pessoais em entretenimento, enquanto continuarmos a valorizar o artificial sobre o autêntico, programas como este continuarão a existir.
Talvez o verdadeiro “rewind” que precisamos não seja cirúrgico, mas cultural. Voltar a um tempo em que a beleza natural era celebrada, em que a individualidade era valorizada, em que não precisávamos de desfazer cirurgias porque simplesmente não as fazíamos em excesso.
Até lá, continuaremos a assistir a este teatro de horrores, onde os mesmos actores interpretam alternadamente os vilões e os heróis, e onde o único final garantido é que “a casa ganha sempre”.









