
A segurança digital deixou de ser um problema técnico para se tornar numa questão de soberania — e a Europa sabe-o bem. Por isso, o lançamento da nova Base de Dados Europeia de Vulnerabilidades (EUVD) não é apenas um passo técnico: é uma jogada política com impacto directo na resiliência digital do continente. E vem na hora certa.
Vivemos num tempo em que as ameaças cibernéticas andam de braço dado com a instabilidade geopolítica. A dependência de sistemas como o CVE da americana MITRE, que recentemente esteve à beira de uma crise de financiamento, expôs um ponto fraco que a Comissão Europeia não quer repetir: confiar num sistema estrangeiro para conhecer as nossas próprias fragilidades.
A importância da informação… e da sua origem
Quem detém a informação sobre vulnerabilidades digitais detém poder real. E se essa informação está sujeita a decisões externas, então a segurança digital da Europa está permanentemente em risco. A EUVD, gerida pela ENISA, surge como uma tentativa de inverter este cenário, criando uma base de dados que sirva os interesses e a realidade europeus — e que o faça com independência, clareza e rapidez.
Mas será que o modelo vai funcionar?
Dados há muitos. O que falta é contexto.
Empresas, administrações e até cidadãos vivem hoje inundados por alertas, notificações, CVEs e possíveis exploits. Mas o verdadeiro desafio já não é aceder aos dados — é perceber quais são relevantes, quais são críticos e o que fazer com eles.
Se a EUVD for capaz de ir além da simples listagem e passar a fornecer contexto, prioridades e recomendações práticas de mitigação, então será uma ferramenta útil. Caso contrário, arrisca-se a ser apenas mais uma base de dados num ecossistema que já sofre de fadiga de alertas.
A fragmentação é a verdadeira ameaça
Se a MITRE, a EUVD e dezenas de outras bases de fornecedores coexistirem sem integração, sem interoperabilidade e sem uma linguagem comum, o resultado será o caos: inconsistência de dados, atrasos críticos e confusão generalizada. E isso, no mundo da cibersegurança, custa tempo, dinheiro e vidas digitais.
O futuro passa por sistemas interoperáveis, com normas abertas, APIs partilhadas e fluxos sincronizados de dados em tempo real. Não se trata de criar uma Europa isolada, mas sim uma Europa sólida, autónoma e interligada ao mundo, de igual para igual.
E as empresas de tecnologia? Devem sair do camarote
Empresas como a Check Point — onde Peter Sandkuijl, VP para a região EMEA, partilhou esta visão — têm um papel central neste novo jogo. São elas que recolhem os dados de ameaças em tempo real, estudam comportamentos maliciosos, desenvolvem patches e sabem, em primeira mão, o que está realmente a acontecer no subsolo da internet.
A proposta é clara: criar parcerias público-privadas onde estas empresas possam partilhar telemetria anonimizada, apoiar a classificação de vulnerabilidades e, sobretudo, contribuir para uma estratégia comum de cibersegurança europeia. Porque neste jogo, o adversário é comum. E o tempo é sempre escasso.
EUVD: ambição europeia precisa de mais do que um anúncio
A criação da EUVD não se faz com um comunicado de imprensa. Requer investimento real, equipas técnicas competentes, colaboração internacional e, acima de tudo, uma visão de longo prazo. Exige também um equilíbrio delicado entre velocidade e responsabilidade — porque publicar uma vulnerabilidade demasiado cedo, sem patch disponível, pode fazer mais mal do que bem.
Mas é um passo necessário. E simbólico. A Europa está a dizer ao mundo que não quer apenas consumir tecnologia — quer moldá-la, protegê-la e liderá-la. E para isso, precisa de instrumentos à altura.
A EUVD pode ser um deles — se for bem pensada, bem gerida e bem integrada no tecido digital europeu. Porque no final, a cibersegurança é uma questão de ecossistema. E o que está em jogo não são só dados. É a confiança num futuro digital partilhado.









